Na Ucrânia, as famílias estão tendo que se adaptar a uma nova e assustadora realidade: como dizer às crianças que o país está em guerra? An...
Na Ucrânia, as famílias estão tendo que se adaptar a uma nova e assustadora realidade: como dizer às crianças que o país está em guerra?
Anton Eine, um escritor de ficção científica ucraniano, deveria lançar seu mais recente livro há cerca de dez dias, mas foi impedido pela invasão russa. No entanto, ele diz que agora nada mais importa.
O autor, que vive com sua esposa e seu filho de três anos em Kiev, passou os últimos dias escondido no estacionamento do subsolo de seu prédio. Faz frio e Anton se preocupa com o que pode acontecer se o edifício desabar em um bombardeio, por isso ele e sua família se escondem em uma fresta criada por duas paredes de concreto.
O local se tornou um esconderijo para os três todas as vezes em que as sirenes que alertam para ataques aéreos são acionadas na capital ucraniana. Para distrair o filho dos momentos de tensão, eles geralmente levam brinquedos e um tablet para o esconderijo.
Anton conta que o filho está preocupado e faz muitas perguntas. "Ontem, minha esposa desceu e, quando ela voltou, ele perguntou: 'Mãe, eles atiraram em você?' e ela disse 'Não, querido', e ele disse: 'Eles vão atirar em mim? Eu não quero que eles façam bang-bang'."
Segundo o escritor, algumas famílias costuraram pequenos crachás com o tipo sanguíneo de seus filhos em suas roupas e os estão ensinando seu endereço e os nomes dos pais, caso sejam separados. E enquanto se escondem em abrigos ou tentam embarcar em trens para fugir do país, muitos pais também conversam uns com os outros sobre os efeitos da guerra e as melhores formas de proteger as crianças de traumas.
"Alguns pais preferem dizer às crianças que é um jogo", diz Anton. "Mas estamos tentando falar a verdade para nosso filho, de uma maneira mais suave, adaptada à mente de uma criança de três anos".
"Nós dizemos a ele que os soldados maus nos atacaram e os bons soldados, aqueles com a bandeira ucraniana, são os que nos protegem. Dizemos também que ele não precisa se preocupar com nada quando estamos no esconderijo."
Os desenhos de seu próprio filho não parecem mostrar nenhum sinal de trauma, mas alguns dos amigos de Anton têm filhos mais velhos, e as imagens que desenham mostram claramente que foram afetados pela situação.
Os pais e funcionários da creche de seu filho mantêm contato pelo aplicativo de mensagens Telegram, onde compartilham conselhos sobre como conversar com as crianças sobre o que está acontecendo.
Entre os conteúdos postados há até um tutorial sobre como explicar às crianças por que não há problema de os adultos xingarem e usarem palavrões atualmente, apesar de não ser aceitável na vida normal. "Porque as pessoas estão xingando agora", diz Anton.
Ele e a mulher se tornaram mais relaxados sobre outras pequenas coisas também. "Por causa dessa situação, ele tem que assistir muito mais desenhos animados do que o normal e está comendo muito mais doces do que o normal. Precisamos de algo para ocupá-lo - ele não deve prestar muita atenção ao que está acontecendo", diz.
"Os psicólogos nos aconselham a ser mais gentis com as crianças nestes tempos e a dar muito mais carinho do que o habitual", diz Anton.
À medida que os bombardeios russos pioraram e os comboios se aproximaram, muitos pais ucranianos decidiram fugir de suas casas com seus filhos pequenos a tiracolo.
Hanna, uma cientista, deixou Kiev e viajou para a Polônia com seus dois filhos, de oito e seis anos. Por dias eles ficaram em casa ouvindo explosões e vendo as janelas tremendo, e ela teve que dizer a eles o que estava acontecendo. Ela achou difícil encontrar um equilíbrio entre a realidade e o quanto a mente de uma criança pode suportar.
"Foi um desafio para mim como mãe, porque tive que explicar a verdade ao mesmo tempo em que tentei não assustar muito", diz ela. "Então eu apenas disse que estamos sob ataque e que a qualquer momento poderíamos ter que sair de casa".
O estilo parental de Hanna também teve que mudar - não havia espaço para discussão. "Normalmente eu peço para eles fazerem alguma coisa, mas agora é hora de receber ordens."
Após alguns dias de ataques, Hanna sentiu que não queria mais que seus filhos ouvissem as bombas e decidiu deixar a Ucrânia. "Foi uma decisão muito, muito difícil", diz ela.
Seus filhos também tiveram que tomar uma decisão dura - eles só podiam levar um de seus brinquedos. O mais velho escolheu Banguela, um boneco de dragão da série de filmes Como Treinar o Seu Dragão, e o mais novo escolheu um carro de brinquedo que se transforma em robô.
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